Conversão à baixa temperatura é alternativa sustentável para reaproveitamento de resíduos sólidos

Patrick Rosa (Estagiário de Jornalismo)


Em 2013, o Brasil produziu quase três milhões de toneladas de lixo a mais que em 2012, de acordo com o último relatório da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), divulgado em 2013. Os números são assustadores e situam o país na quinta colocação entre os maiores produtores de lixo do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China, União Europeia e Japão. Nesse contexto, a pesquisa Conversão à Baixa Temperatura (CBT), coordenada pelo professor Gilberto Romeiro, do Instituto de Química da UFF, pode dar um novo rumo para reaproveitamento sustentável de resíduos sólidos.

Desenvolvido na Alemanha pelo químico Ernst Bayer nos anos 1980 e trazido para o Brasil por Romeiro, o método reproduz, em condições industriais ou de laboratório, o mecanismo de formação de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão mineral, em que os resíduos se fragmentam em quatro produtos por ação do calor: carvão, óleo, gás e água.

A equipe de pesquisadores, que também é composta pelos professores Raimundo Damasceno e Marcia Veloso, tem realizado análises com diversos tipos de materiais, classificados como biomassas. Já foram testados diferentes resíduos sólidos, como casca de coco verde, sabugo de milho, pneu, borra de café, além de resíduos de indústrias petroquímicas (lodos), farmacêuticas, da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) e da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb).

Os resultados apontam que a técnica possibilita a redução do volume do lixo e a reutilização dos materiais. O carvão e o óleo obtidos no processo, por exemplo, têm um bom potencial energético e podem servir como combustível para gerar energia.

Já o gás pode ser utilizado para reabastecer o sistema de combustão, o que torna o processo economicamente atrativo por não ter um gasto de energia tão elevado, além de ser útil para a indústria, que também pode usá-lo como combustível.

A água extraída na conversão, e que aparentemente não teria nenhum uso, virou matéria-prima para pesquisas do Instituto de Biologia, e as análises demonstraram que a fração é um inseticida potente contra parasitas como o
carrapato. Pesquisas que podem dar um novo destino para o lixo produzido no país que não os lixões e aterros sanitários.

O que é a CBT

A CBT é um processo de fragmentação dos materiais a partir do calor. O processo se inicia com a secagem dos resíduos, que, em seguida, são levados para um reator. A partir daí, ocorre a quebra e o rearranjo das macromoléculas da biomassa a uma temperatura entre 320º C e 450º C, em atmosfera de nitrogênio.

Expostos ao calor, os resíduos formam novos produtos. Após o processo, os materiais resultantes são analisados quanto ao poder calorífico, para avaliar seu emprego como combustível para processos de geração de energia. A fração sólida é avaliada quanto à possibilidade de utilização como carvão ativado, que pode ser aproveitado em filtros, por exemplo.








Dentre os materiais pesquisados no processo de combustão, destacam-se as misturas de resíduos industriais, os chamados “blends”, e os lodos de estações de tratamento de esgoto (resíduos sólidos resultantes do tratamento). De acordo com Romeiro, a conversão se mostrou uma ótima opção de destino para o lixo produzido pela indústria. Alguns tipos de resíduos industriais podem ser usados como fontes substitutas de matérias-primas ou como combustível em fornos de produção de cimento.

Já os lodos de esgoto, que geralmente são despejados na natureza e poluem rios e mares, têm um ótimo potencial calorífico, o que significa que o material tem boas possibilidades para ser utilizado como combustível em diferentes processos.

Histórico da pesquisa

O interesse de Romeiro pela CBT começou em 1995, na Alemanha, quando observou pela primeira vez o processo. Em 1996, foi implementada a pesquisa no Brasil, com o estabelecimento de uma parceria entre pesquisadores brasileiros e alemães da Universidade de Giessen. "Estudei a técnica e, quando retornei, modifiquei meus laboratórios para adaptá-los à conversão desse tipo", explicou o pesquisador, que teve como principal motivação a possibilidade da diminuição dos impactos ambientais proporcionado pela conversão.

Os primeiros materiais tratados no laboratório foram o lodo de esgoto e os resíduos de indústrias petroquímicas, que sempre representaram um grave problema ambiental. Em seguida, começaram as pesquisas com o lixo urbano, que ainda representa um desafio, segundo o pesquisador. “Isso ainda é o maior problema. Além de ser composto por inúmeros materiais, a
secagem do lixo urbano é difícil, o que minimiza os resultados da CBT. Sua conversão, no entanto, pode ser viável se for feita com uma estrutura própria e em grande escala”, afirmou.

Embora esse tipo de resíduo seja de difícil reutilização, a redução do volume proporcionada pela conversão já representa uma perspectiva importante para o controle do lixo produzido no país.

Gilberto Romeiro diz que é preciso investimento nas pesquisas e que, com um sistema integrado com diferentes áreas, é possível fazer avanços. “É viável, mas depende do ‘casamento’ com a engenharia, além do conhecimento da procedência dos resíduos", destacou.

Para o coordenador, o mais importante é minimizar o impacto na natureza gerado pelos tratamentos usuais. Assim, é possível agregar valor aos produtos que tenham difícil composição e não causar danos ao meio ambiente. E possibilitar que a montanha de lixo produzida no país não continue a crescer.

Atualmente, o projeto conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e da empresa de energia Light, além de ter como parceiras a Universidade Estadual de Campinas e a Universidade de Tübingen, na Alemanha.


Na contramão da Política Nacional de Resíduos Sólidos

A permanência dos lixões demonstra que o Brasil ainda está longe de alcançar as metas estipuladas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010 . Segundo a lei, os municípios tinham até 2 de agosto de 2014 para eliminarem os “lixões”, o que, de fato, não ocorreu.

Além da produção, o problema do lixo envolve outros fatores como a destinação e o transporte. O mercado de carga de resíduos se baseia no peso. Cobra-se pela tonelada de lixo transportada por um caminhão. Para cada tipo de resíduo há um valor específico, dependendo da periculosidade da carga. O custo da tonelada de resíduos industriais perigosos, por exemplo, pode chegar a R$ 1 mil, enquanto o lixo domiciliar flutua numa faixa de R$ 40. Os dados são do Sistema Nacional de Saneamento do Ministério das Cidades.